1 de março de 2011

"One More Chance" - O Sonho que se Transformou em Pesadelo


Michael Jackson sonhava com um retorno triunfante no showbiz após anos de reclusão com o videoclipe One More Chance em 2003, e seu sonho se transformou em seu pior pesadelo.
Charles Thomson falou com colegas do astro, colaboradores e co-astros sobre este pouco conhecido e derradeiro videoclipe.

Construindo o Retorno de Michael Jackson
No verão de 2003, Michael Jackson e seu time silenciosamente orquestravam um retorno extraordinário. Em meio ao cenário tranquilo de seu imenso rancho Neverland, Jackson se reunia com seus empresários, conselheiros e relações públicas em frequência regular para inventar um retorno multi-facetado que relançaria o astro na estratosfera. O retorno seria surpreendente, com Jackson se lançando em novos setores e reabilitando sua imagem ao mesmo tempo.

O conflito de Michael Jackson com a Sony
Os últimos anos não haviam sido gentis a Jackson. Seu álbum de 2001, Invincible, recebeu uma reação mista da crítica e foi taxado como um fracasso comercial pela imprensa. No verão de 2002, Jackson culpou a sua gravadora, Sony Music, pelas baixas vendas do álbum, chamando o presidente do selo Tommy Mottola de "racista" e "demoníaco". Ele alegou que a gravadora sabotou Invincible se recusando a promovê-lo e, em uma série de discursos, anunciou sua intenção de deixar a Sony. No entanto, sua briga pública com a Sony o levou a mais exposição nos tablóides e sua campanha acabou não surtindo o efeito desejado.


Publicidade Negativa Após o Documentário de Martin Bashir
A confiança de Jackson foi abalada por dois novos incidentes. O cantor se encontrou no centro de um escândalo mundial em novembro de 2002, após imagens dele pendurando seu filho em uma varanda de hotel na Alemanha foram transmitidas para todo o mundo. Ele levou outro golpe duro em fevereiro de 2003, quando o documentário de Martin Bashir, Living With Michael Jackson, causou um alvoroço, mostrando Jackson de mãos dadas com o jovem paciente de câncer Gavin Arvizo e admitindo compartilhar sua cama com filhos de outras pessoas. Foi neste momento que o time de Jackson decidiu que já era o suficiente.

Controle dos Danos
A preocupação entre os assessores de Jackson era de que o nome do cantor havia se tornado pouco mais do que uma piada; um alvo fácil para zombaria implacável e abuso. Sua imagem estava em desesperada necessidade de reparação. O esforço começou com o controle de danos. O time de Jackson lançou uma resposta ao documentário de Bashir, apresentando imagens do entrevistador contradizendo os pontos de vista expressos em seu próprio especial e provando que ele omitiu respostas vitais do astro. Após expor a duplicidade de Bashir, o time de Jackson partiu para um segundo documentário, Michael Jackson's Private Home Movies, em que o astro apresentou videos engraçados e interessantes dos seus arquivos.

Uma aparição na premiação BET em junho de 2003 para agraciar seu ídolo e mentor James Brown com um prêmio Lifetime Achievement contribuiu para a onda de boas relações públicas. A breve aparição do astro no show fez pessoas da platéia caírem no choro e serviu bem a Jackson ser visto dando um prêmio ao invés de receber. As coisas pareciam começar a dar certo para o cantor e agora o seu elaborado plano de retorno poderia ser posto em prática.

Reinventando Michael Jackson
"Michael estava recuperando boa parte de sua auto-estima e auto-confiança após morar nas sombras do escândalo público e desprezo," conta o publicitário Stuart Backerman, contratado por Jackson em 2002. "Na linguagem do marketing, Michael estava presters a ser reformulado.
"O plano de retorno se chamava projeto MJ Universe e se centrava na idéia do 'Michael do Povo', se você quer pensar em termos políticos. Isto era o subjacente à todo o esquema. A idéia era torná-lo acessível. Depois de todos os anos vivendo como um recluso e alvo de tablóides, ele queria uma oportunidade dee ser visto de forma objetiva.
O primeiro passo no sentido de tornar Michael Jackson mais acessível seria criar um "link" entre seus fãs e o astro. Em Vancouver, uma empresa de web design chamada Blast Radius estava secretamente trabalhando em um novo site oficial de Michael Jackson (seu antigo era de posse e controle da Sony). O website teria o que Stuart Backerman descreve como "os mais incríveis videos interativos" e serviria como meio para Jackson ficar em contato com seus fãs.
O próximo passo era abrir o rancho de Jackson, Neverland. Após o documentário de Bashir, seu santuário era visto como um lugar sinistro. Para que as pessoas pudessem experimentar Neverland por si mesmas e desfrutar de uma breve visão do mundo de Jackson, o astro planejava transformar o rancho em um resort para estadias curtas, gerando renda e melhorando sua imagem.
O merchandising de Jackson havia "secado" nos últimos anos, diz Backerman, e haviam vários planos para lançar uma série de novos produtos, começando com uma linha de roupas de Michael Jackson. Ele também estava em negociações com um investidor japonês para criar um parque temático.

Da Música para o Cinema
Mas a jóia da coroa dos planos de retorno de Jackson era um negócio que ele e seu time haviam recentemente firmado com uma empresa de cinema em Montreal. Durante anos, tinha sido o desejo de Jackson se afastar do mundo da música para entrar na indústria cinematográfica. Em 1993, ele negociava com a Sony para começar a fazer filmes, mas os planos foram desmantelados após o promotor de Santa Barbara, Tom Sneddon, invadir a casa de Jackson e o astro se ver em meio a um escândalo de abuso sexual infantil. Em anos recentes, Jackson gatinhou para lançar-se como um jogador no mundo do cinema, primeiro fazendo uma aparição breve em Homens de Preto II e, em seguida, como ator convidado na comédia de baixo orçamento Miss Castaway. Agora ele estava pronto para dar o salto.
 "Ele não queria realmente recomeçar uma carreira na música," conta Dieter Wiesner, empresário de Jackson de 1997 a 2003. "Depois que ele terminou com a Sony, ele tinha um outro plano totalmente diferente. Sua concentração não seria mais na parte musical. O que ele sentia é que já havia feito o melhor em sua vida em relação à música. Ele criou tudo. Ele fez Thriller e tudo mais e ele sabia que seria muito difícil superar essas coisas. Para ele, era muito importante ser bem sucedido como diretor e ator, dirigindo filmes, fazendo curta-metragens e coisas assim. Ele realmente queria fazer isso.
"Ele sabia que tinha que fazer alguma coisa para os fãs, mas era óbvio que ele não voltaria a fazer uma turnê porque sua cabeça não estava mais nisso. Ele queria fazer shows grandes, digamos, nas pirâmides do Egito - lugares grandes - por um período de dois ou três anos. Ele concordou em fazer algo do tipo porque os fãs realmente queriam vê-lo, mas ele sentia que seu futuro deveria ser na indústria cinematográfica."
Após meses de negociações, a equipe de Jackson conseguiu um financiamento para o astro comprar a Cinegroupe, uma companhia de filmes de animação canadense, que Stuart Backerman diz que Jackson pretendia transformar em uma espécie de Pixar. Antes da aquisição, a empresa convidou Jackson para ele contribuir com idéias para um filme a ser lançado, Pinocchio 3000. Uma década após seus sonhos de cineasta terem sido esmagados, Jackson estava finalmente prestes a começar a transição da música para os filmes. Mas antes disto ele tinha um prioridade ardente, e esta era libertar-se de seu contrato com a Sony.
"Ele não estava em uma boa relação com a Sony," diz Stuart Backerman. "O catálogo dos Beatles é uma coisa, mas depois de todo o incidente com Tommy Mottola, acabou. Não ia rolar com a Sony novamente, mesmo."
 De acordo com Dieter Wiesner, Jackson não tinha planos para assinar com outra gravadora após cumprir seu contrato com a Sony. O foco era diretamentre nos filmes e todos os sinais apontam ao fato de que Jackson estava seriamente empenhado em realizar o seu objetivo. Em uma manhã no rancho Neverland, durante as conversas sobre o retorno, Jackson presenteou Stuart Backerman com um fedora autografado como um obrigado pelo seu trabalho. Dentro, Jackson escreveu o seguinte, "Querido Stuart, muito obrigado pela sua gentil ajuda e por favor não faça planos para a próxima década."
O Sonho de Michael Jackson Toma Forma
Em outubro de 2003, Michael Jackson viajou Las Vegas para uma série de aparições que marcariam o começo do seu elaborado plano de retorno. Mantendo sua nova imagem de astro acessível, ele fez várias sessões de autógrafos cujo lucro foi destinado à caridade. No sábado de 25 de outubro, ele foi presenteado com a chave da cidade de Las Vegas no Shopping Desert Passage, e três dias depois ele apareceu no Radio Music Awards para estrear seu novo single de caridade, What More Can I Give.O Clipe de One More Chance
Mas o mais animador para os fãs do astro era que Jackson estava na cidade para gravar um novo videoclipe. Uma coleção de sucessos chamada Number Ones estava para ser lançada em 18 de novembro e, considerando que ela completaria suas obrigações contratuais com a Sony, Jackson contribuiu com uma faixa inédita, One More Chance, e concordou em promovê-la como single. Vislumbrando a oportunidade de completar outra obrigação contratual da época - ele devia uma performance para a CBS - Jackson decidiu gravar um clipe para a música. O clipe debutaria em 26 de novembro no final do especial da CBS sobre o astro, e então seria exibido em demais canais.
Após a gravação do clipe, Jackson estava determinado a embarcar no que Stuart Backerman descreve como uma "triunfante turnê de publicidade" pela Europa, África e América do Sul. "Nós iríamos viajar por três meses," conta o publicista. "Íamos fazer todo tipo de sessão de autógrafos e eventos de fãs, e íamos fazer alguma coisa em Harrods em Londres, também."

"Ele ia apresentar um prêmio para Muhammad Ali no Bambi Awards na Alemanha," acrescenta Dieter Wiesner. "Nós também tínhamos um plano para fazer algo com o Nelson Mandela."

Nick Brandt, um antigo colaborador de Jackson, foi contratado para dirigir o novo clipe. Brandt havia trabalhado em uma série de videoclipes com o astro no passado - com destaque para o clipe de Earth Song, que combinou a forte visão de Jackson sobre o meio ambiente com a aclamada fotografia da vida selvagem, marca do diretor. Sua mais recente colaboração havia sido em Cry de 2001, um clipe que Jackson se recusou a participar em razão do seu conflito com a Sony.

Dando as Costas para a Música em Busca do Cinema
A filmagem iria acontecer no estúdio da CMX Productions e o conceito era simples. A terna balada tematizava um amor perdido em que Jackson implora a uma ex-namorada por "uma nova chance no amor." O clipe teria uma inversão de papéis, em que o público estaria no palco assistindo Jackson, enquanto ele se apresentava em um nightclub vazio, pulando corrimões e saltando sobre as mesas. O arranjo parecia ter pouca relação com a música e pareceu ser mais um comentário sobre a perpétua invasão do público e da imprensa na privacidade Jackson - um tema recorrente nos clipes do astro - essencialmente mostrando uma multidão de espectadores assistindo Jackson em um momento íntimo, fora do palco, transpassados pelo seu desgosto amoroso.

Jackson tecnicamente devia à CBS uma apresentação, então a meta era criar um híbrido que iria satisfazer a emissora e também funcionar como videoclipe. Assim, ele foi idealizado para dar uma sensação de apresentação ao vivo, seguindo Jackson tranquilamente através do clube ao invés de cortar de uma cena para outra, no estilo típico dos videoclipes.

"Nós tínhamos cinco câmeras filmando ele ao mesmo tempo," conta um membro da equipe, que pediu para permanecer anônimo depois de falar sem autorização da gravadora. "A idéia era tentar captar Michael, tanto quanto possível, fazendo uma apresentação pelo clube, para dar uma sensação de performance ao vivo. O fluxo iria literalmente de uma câmera para a outra. Nós também tínhamos um tempo limitado com o Michael porque ele definia o seu próprio horário, então decidimos filmar deste modo para nos certificarmos que o clipe ficasse coeso."

Executando a produção em horário e orçamento apertados, a equipe teve um dia de ensaios com Jackson. "Michael chegou naquele dia para fazer ensaios de dança com Nick e pensar em como ele queria se mover pelo clube," conta o membro da equipe. "Foi quando nós determinamos em quais mesas ele iria saltar para que pudéssemos iluminá-las apropriadamente e assim por diante. Então foram provalmente duas ou três horas com o Nick e outros membros chave da equipe trabalhando com Michael - talvez quatro horas.

"Assistir o seu processo com Nick foi muito inspirador. Ele realmente gostava de criar com Nick. Ele estava envolvido em tudo. Ele era obviamente um artista com experiência nos videoclipes e sabia como o processo funcionava, ele sabia com quem deveria falar. Digo, ele e a equipe tiveram uma conversa definitiva sobre composição e iluminação e como captar os passos de dança com a câmera e que ângulo usar. Ele era um verdadeiro artista. Ele não era o tipo que não aparecia e não se importava. Ele estava realmente animado por estar lá envolvido no processo e queria realmente criar uma coisa especial."

O empresário de Jackson, Dieter Wiesner, no entanto, diz que o cantor não estava tão animado quanto parecia; muito do clipe foi concebido da ausência do astro e ele estava irritado com o orçamento modesto. "Michael não estava muito contente com isso," ele diz. "Era uma situação descontraída, mas não era o que Michael realmente queria fazer. Ele ainda queria fazer grandes clipes e isso não era algo que ele escolheria fazer. Não era uma de suas produções sofisticadas de antes."

Wiesner diz que Jackson também não estava contente com a semelhança do cenário com um de seus clipes mais conhecidos dos anos 80. "Quando nós chegamos, o cenário já estava montado. Ele disse, 'Isto é como Smooth Criminal'. Mas ele fez seu trabalho. Eu acho que quando ele começava a fazer o que quer que fosse, ele fazia certo. Ele não estava contente mas ele tinha de fazer, e fez.

A filmagem de One More Chance
Na segunda-feira de 17 de novembro de 2003, uma multidão de figurantes esperava em um espaço do estúdio CMX. Eles sabiam que estava ali para fazer um videoclipe, mas era tudo o que sabiam. "Nós fizemos os testes na sexta-feira e sabíamos que íamos filmar no estúdio na segunda," conta Ken Yesh, um dos figurantes escolhidos. "Passamos o final de semana inteiro tentando adivinhar de quem seria o clipe. Então, quando chegamos lá, assinamos uns documentos e na parte de trás estava escrito 'Michael Jackson, One More Chance, Sony Productions'. Nós capotamos!"

"Foi um momento tão único," diz a colega Juliette Myers. "Ficamos tão animados quando formamos a fila porque, você sabe, que momento icônico. Nos íamos fazer parte de algo histórico."

Mas a empolgação durou pouco. "Quando nós entramos no estúdio eles nos disseram, 'sim, esse será um clipe de Michael Jackson, mas ele não estará aqui'," conta Ken Yesh. "Então ficamos todos bem desapontados. Ele tinha um dublê que estava ajudando no ajuste de conjuntos de câmera e arranjos. Nós pensamos que isto era tudo o que veríamos - apenas um sósia."

Os figurantes foram colocados em arquibancadas no palco em um arranjo coral enquanto a equipe acertava a iluminação. Alguns figurantes foram selecionados para olhar à distância ou parecerem espantados, e a equipe garimpou muito a platéia, mas os figurantes passaram a maior parte do tempo andando pra lá e pra cá. "Se eles não iriam nos usar para uma cena, então nos levavam de volta para a área de espera," conta o figurante Stephen McClelland. "Eu lembro que esperamos lá fora enquanto eles tentavam ajustar algumas coisas das mesas para compôr o cenário."

"Sendo figurantes, nós começamos cedo mas não tínhamos muito o que fazer," concorda Juliette Myers. "Eles nos posicionavam, acertavam a iluminação e a sinalização da música e então fazíamos a nossa parte, aí cortavam para o intervalo. Não foi muito trabalho. Havia um ar de liberdade, diversão e fantasia naquele dia."

A Aparição Surpresa de Michael Jackson
Há várias horas já do início das filmagens, Michael Jackson, usando jeans escuro e uma camiseta branca, entrou no set pela porta dos fundos. "Quando ele fez sua entrada, não foi nada de grandioso," diz Ken Yesh. "Foi meio que escondido. Nós estávamos no palco o tempo todo, então começaram os cochichos, 'Oh meu Deus, eu acho que é ele!'. A iluminação era bem fraca. A ambientação toda era de uma boate noturna, então havia algumas luzes sobre as mesas e luzes de palco bem fracas, mas é muito difícil perder ele de vista."

"Havia eletricidade no ar," acrescenta Stephen McClelland. "Todo mundo estava muito animado."

"Nós nem estávamos preparados para a aparição dele," conta Juliette Myers. "Estávamos de pé na arquibancada e eu conversava com alguém quando de repente ouvi aplausos. Eu olhei para cima e lá estava ele. É estranho como você nem percebe o quão poderoso ele é até ele estar lá. É como uma presença. Eu não conseguia parar de gritar. Eu tentei ser profissional, mas isso não adiantou. Nós todos gritávamos e berrávamos. Mas ele nos deixou ter o nosso momento. Estou certa de que ele sabia que teria fãs lá, então ele nos deu esse tempo para recepcioná-lo e daí começamos a trabalhar."

Os Passos de Dança de Michael Jackson: Inimitáveis
A equipe passou a maior parte do dia se preparando para a chegada de Jackson, com o fim de evitar fazê-lo esperar quando chegasse. Com tudo no lugar e pronto para rodar, Jackson se lançou em sua primeira apresentação quase imediatamente, serpenteando ao redor do clube e mostrando seus famosos passos de dança.

"Eu acho que eles nos disseram que ele não estaria lá porque queriam ver nossas reações no clipe quando ele começasse a dançar," diz Ken Yesh, "porque quando ele chegou, não se passaram cinco minutos e ele entrou de cabeça na dança. Ele começou a fazer as sequências, andando pelas mesas do clube, subindo no palco, cantando, pulando nas mesas e cadeiras - e eu olhava pra todo mundo e as caras deles estavam como a minha. Era simplesmente inacreditável."

"Foi incrível," relembra Juliette Myers. "Parte da nossa reação deveria ser de choque e deslumbramento, mas era real. Nós pensávamos 'Oh meu Deus, ele está aqui. Este é ele na vida real. Ele está bem na nossa frente.' Era tão fácil demonstrar estar feliz e ter aquele olhar de admiração. Ele fez um passo em cima de uma mesa na nossa frente e eu pensei, 'Uou. É ele mesmo. Foi com ele que nós crescemos.' Tornou aquela reação e aquele momento real."

"Todo mundo aparentava estar surpreso," diz Ken Yesh. "Todos estavam com um sorriso permanente estampado no rosto. Ninguém podia acreditar. Eu acho que todos entendíamos o que aquilo significava. Nós estávamos na presença de um dos melhores artistas de todos os tempos da face da Terra. Digo, quem tem a chance de uma oportunidade assim?"

"Era como ver Elvis ao vivo, ou os Beatles," concorda Steve McClelland. "Você tem uma lenda na sua frente, dançando. Foi mágico. Todos os boatos sobre ele ser passado se tornaram, depois que o vi, completamente infundados. Ele ainda era perfeitamente capaz. Ele era verdadeiramente mágico. Verdadeiramente abençoado."

Cada vez que Jackson terminava sua apresentação, as gravações pausavam enquanto a equipe cuidava da continuidade; em cada apresentação, Jackson iria chutar candeeiros e taças de vinho das mesas do clube. Entre tomadas, Jackson interagia com os figurantes, conta Stephen McClelland.


MJ: Concentrado Durante as Gravações, Preocupado e Atencioso Durante os Intervalos
"Nós todos já estávamos de pé por um longo tempo. Ele disse 'Eu espero que vocês não estejam muito desconfortáveis aí' porque as luzes vinham em cima de nós e todos estávamos muito apertados, não conseguíamos nos mexer. Entre tomadas, tínhamos de ficar lá. Então ele estava sentindo o nosso desconforto. Quando ele começava a dançar ficava muito concentrado, mas no final ele voltava a ser casual. Ele dizia coisas do tipo, 'Eu espero que vocês tenham gostado da última'. Ele era engraçado, inteligente."

Na maior parte do tempo, no entanto, Jackson se manteve reservado. "Ele ficava um pouco separado," conta Juliette Myers. "Eu acho que ele era muito tímido. Eu lembro que nos foi dito que ele era muito tímido e que não queriam que nós olhássemos diretamente no rosto dele."

"Eu fiquei extremamente surpreso  com o quão humilde ele foi," acrescenta Ken Yesh. "Mas quando a câmera começou a rolar e a música foi colocada, era eletricidade. O cara era simplesmente incrível. Ele fazia o mesmo número de dança cinco ou seis vezes, sem falhas."

"Michael falava manso e era resguardado," confirma um membro da equipe. "Mas assim que as câmeras começavam a rodar, ele se transformava em Michael Jackson instantaneamente. Os passos e o andar, tudo, era Michael Jackson por completo. Foi incrível. Lembro-me dele pulando em cima de uma mesa e fazendo um giro em certo momento com suas mãos no ar e aquilo era 100% puro Michael Jackson. Eu nunca vou me esquecer disso."

Após executar o número cinco ou seis vezes em cerca de três de horas, Michael Jackson deu sua despedida. "Ele foi muito gentil com todos os figurantes," conta um membro da equipe. "Quando ele estava indo embora, ele deu um grande 'tchau' para todos eles e os agradeceu por todo seu trabalho duro. Ele era um cavalheiro."

"Ele não simplesmente saiu correndo," diz Juliette Myers. "Ele disse respeitosamente obrigado. Embora eu nem ao menos saiba porque ele nos estava agradecendo." Ela ri. "Ele era o astro. Nós éramos apenas o pano de fundo."

Jackson estava programado para retornar no dia seguinte e filmar tomadas frontais e close-ups. "Nossa intenção era filmar atrás de Michael, ele seguindo até a platéia e então, para economizar no cachê dos figurantes, no dia seguinte iríamos virar a câmera e filmar apenas os close-ups do Michael," conta um membro da equipe. "Então praticamente tudo que filmamos no primeiro dia foi ele da cabeça aos pés, ou de perfil ou de costas, com a platéia ao fundo."

O material do dia mostrava Jackson em ótima forma, saltando com energia de uma mesa para outra, correndo em torno do clube e parecendo verdadeiramente feliz enquanto cumprimentava a multidão. Ele prestou homenagem sutil a clipes antigos; um momento onde ele abaixa sua jaqueta até os ombros diante de uma platéia excitada lembrava seu clipe de Dirty Diana, enquanto seus chutes na decoração das mesas enquanto dançava nos chamava a atenção para o seu polêmico curta Black Or White.

Ao fim de cada tomada, Jackson acenava e fazia uma reverência para o público, virava as costas para o palco - um sorriso enorme no rosto - e caminhava para fora do quadro.

Esta seria a cena final do videoclipe e o momento estava carregado de conotações. Jackson virando suas costas para o palco, e para a sua platéia, era simbólico em sua intenção de deixar o mundo musical para trás e embarcar em uma carreira nova. Talvez sorrindo de felicidade e também de alívio, ele também dava as costas para o último videoclipe para a Sony e, ele pensava, afastava-se do contrato que tão desesperadamente queria sair. Em essência, ele dava as costas para sua antiga carreira e a deixava, pronto para seguir o sonho que havia sido tirado dele há dez anos. Michael Jackson iria finalmente fazer filmes.

O Sonho se Transforma em um Pesadelo
Aproximadamente às 08:30 da manhã do dia seguinte, Stuart Backerman e Marc Schaffel conversavam ao telefone e discutiam sua partida para a Europa no dia seguinte. A conversa foi interrompida por uma chamada telefônica de Joe Marcus, um coordenador de segurança em Neverland, para Schaffel. "Era uma hora estranha para Joe ligar," diz Backerman, "então Schaffel disse que me ligaria de volta.
Pouco tempo depois, o telefone de Backerman tocou. "Você tem que ligar a televisão", disse Schaffel. Backerman ligou sua televisão e viu as agora famosas imagens dos helicópteros policiais invadindo o rancho de Michael Jackson, Neverland. Liderados pelo promotor Tom Sneddon, 70 delegados do Departamento de Polícia de Santa Bárbara tinham sido despachados para invadir a casa de Michael Jackson. "Honestamente," relembra Backerman, "Você teria pensado que era um batalhão do exército indo para uma aldeia iraquiana. Havia tanto deles."
 Seu coração afundou. "Naquele momento eu percebi que a viagem à Europa e todo o projeto MJ Universe estava acabado porque, àquela altura, Diane Dimond estava na TV revelando que era tudo por conta de uma segunda acusação de abuso sexual infantil.

"Michael estava se preparando para deixar as acusações de 1993 para trás e se renovar. Nós tínhamos acabado de lidar com o escândalo Martin Bashir e aqui começava tudo mais uma vez." Ele suspira. "Mais uma vez."

Em Las Vegas, ficou a cargo do empresário Dieter Wiesner dar a notícia a Michael Jackson. "Michael ainda estava em seu quarto," Wiesner explica. "Ele estava sentado perto da lareira quando eu entrei, e estava bem quieto. Eu tinha de dizer a ele e não foi fácil contar a Michael uma coisa assim porque ele estava em tão bom humor. Ele via um futuro. Quando surgiu a situação do Bashir, ele ficou muito deprimido. Agora tudo havia mudado e Michael estava pronto para fazer coisas novas. Então, ter de ir ao quarto dele e contar uma notícia tão horrível... foi um desastre.

"Eu disse a ele, 'Michael, há uma má notícia mas, pelo outro lado, você tem de vê-la também como uma boa notícia. A má notícia é que a polícia está no seu rancho.' Michael estava completamente chocado. Eu estava sentado ao lado dele, coloquei meu braço em seu ombro.

"Ele olhou para mim e ele estava muito... você podia ver o sangue no rosto dele. Ele estava profundamente chocado. Mas eu disse a ele, 'Michael, agora você tem finalmente a chance de esclarecer tudo, de uma vez por todas."

A notícia se espalhou rapidamente entre a equipe. "Eu vi na TV naquela manhã e na hora em que eu cheguei ao saguão do hotel, todo mundo já sabia," conta um membro da equipe. "Então fomos trabalhar normalmente e esperamos para ver o que acontecia.

"É claro, quando chegamos no estúdio aquilo tinha virado um zoológico de paparazzis e fãs. Tinham vazado o endereço do local onde filmávamos. No dia anterior, ninguém sabia que estávamos filmando nem nada.

"Nós esperamos o dia inteiro pelo Michael e eu acho que voltamos no dia seguinte. Então ele finalmente ligou e disse, 'Eu não vou poder ir'."

Jackson passou a maior parte destes dois dias chorando, conta Dieter Wiesner. "Eu fiquei sentado ao lado dele dia e noite. Ele estava chocado; ele estava chorando... ele não sabia o que fazer. Era uma situação horrível. Estávamos marcados para ir para a Europa. Ele estava pronto para seguir com sua vida e tudo estava preparado. Era uma situação linda e este acontecimento o chocou profundamente. De verdade, matou ele."

Dois dias após a invasão de Neverland, a depressão de Jackson se transformou em raiva. Quando se descobriu que o garoto por trás da acusação era ninguém menos do que Gavin Arvizo, o menino cuja mão Michael segurou no documentário de Martin Bashir, Jackson decidiu lutar.
"Sabe, quando ficou claro que esta acusação era por causa dos Arvizos, aí ele começou a realmente lutar," conta Wiesner. "Michael me disse, 'Dieter, sabe o quê, eles deveriam trazer este garoto para uma grande sala, convidar toda a imprensa e ele deveria olhar nos meus olhos e me dizer que eu fiz isso'. Então ele estava pronto para lutar."
Que a acusação tivesse vindo dos Arvizos tornou a ruína do projeto MJ Universe ainda mais frustrante para Stuart Backerman. "Sneddon não tinha nada além da palavra de Janet Arvizo, e ela era completamente louca," conta Backerman. "E eu sei disso porque estava lá e vi ela. Ela tinha um histórico de extorsões tão longo quanto o meu braço direito. Sneddon só queria pegar Jackson.

"Ainda hoje, é muito frustrante. Nós tínhamos a maior celebridade do mundo e ele estava mais concentrado do que já havia estado em um bom tempo. Mas a coisa toda foi cortada pelo Sneddon."

Quase inacreditavelmente, Sneddon tinha conseguido pela segunda vez roubar o sonhos cinematográfico de Jackson, quando ele estava finalmente prestes a alcançá-lo. Antes das acusações de 1993, mudar para a indústria do cinema era uma das maiores preocupações de Jackson. Suas chances foram arruinadas pelo escândalo Jordan Chandler; ele acabou de volta à estrada - o lugar onde ele menos queria estar - e ficou ainda mais fatigado do mundo da música.
 O sucesso cinematográfico era o único tipo de sucesso que sempre conseguiu escapar de Jackson - o artista mais condecorado da história - e havia sido por muito tempo o único tipo de sucesso que ele realmente desejava. Acreditando que One More Chance cumpriria o seu contrato com a Sony, Jackson sentia que estava finalmente livre para seguir sua visão.

"Eu realmente tenho que dizer, ele era um cara muito afiado. Ele sabia exatamente o que queria," lamenta Dieter Wiesner. "Eu acho que se ele tivesse tido tempo e se ninguém tivesse interferido no seu caminho, ele poderia ter sido muito bem sucedido na segunda parte de sua carreira, com o cinema e vídeos de animação. Na minha opinião, ele ainda estaria aqui hoje."
Com o sucesso cinematográfico estabelecido firmemente em sua mira, Jackson estava meramente saltando nos aros necessários para que pudessse perseguir seu objetivo com cem por centro de sua atenção e energia. One More Chance, ele pensara, era o aro final. Michael Jackson acreditou que o single e o videoclipe o dariam de volta sua liberdade.
Fonte:Texto traduzido e publicado por Bruno Pórpora no blog “Arquivo MJ” em  13/01/2011